A responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é objetiva, conforme preceituam os artigos 12 a 20 do CDC. Trata-se de modalidade que prescinde da investigação da culpa do fornecedor para a ocorrência do dano. É ideia que se coaduna com as características da atual sociedade de consumo em massa na qual o consumo é feito não somente para satisfazer as necessidades relacionadas ao bem, mas também serve como maneira de inclusão social ou satisfação de luxos e desejos.
O fornecedor conhece as peculiaridades da produção do bem de consumo e assume o risco dos danos eventualmente suportados em caso de acidente ou incidente de consumo. Este último ocorre quando se materializa o vício do produto ou do serviço, imperfeição que atinge o próprio bem e causa danos de ordem patrimonial ao consumidor. É uma inadequação relacionada à qualidade do produto ou do serviço e cuja responsabilidade encontra regulação nos artigos 18 a 20 do CDC. O acidente de consumo, por outro lado, é extrínseco ao bem, é defeito ou imperfeição que atinge não somente o patrimônio daquele que consome, mas afeta sua saúde física ou psíquica. Nos artigos 12 a 14 do Código de Defesa do Consumidor encontram-se as normas sobre o defeito do produto ou do serviço.
O vício e o defeito são institutos que se diferenciam justamente em razão da órbita de proteção prevista na lei. O primeiro, como referido, refere-se à necessidade de que o bem tenha a qualidade que dele legitimamente se espera, que seja útil ao fim a que se destina. O segundo relaciona-se com a necessidade de proteção à saúde do consumidor, determinando que o que for colocado no mercado tenha a segurança esperada, não oferecendo riscos além daqueles inerentes à utilização normal e adequada do bem.
Havendo nexo de causalidade entre o dano causado e a colocação do bem no mercado, o fornecedor responde independentemente da existência de culpa, já que assume esse risco ao desenvolver a atividade econômica. Além da assunção do risco, há também a necessidade de proteção da confiança do consumidor. No Recurso Especial 1.606.360/SC a Ministra Nancy Andrighi, relatora do feito, traz interessante explanação sobre a proteção das legítimas expectativas do consumidor, observando que a responsabilidade civil nas relações de consumo não é baseada somente na questão do risco, mas também na necessidade de agir com boa-fé, uma vez que:
“a imputação da responsabilidade objetiva por defeito no serviço está correlacionada à frustração da razoável expectativa de segurança do consumidor, consideradas as circunstâncias relevantes, as quais, inevitavelmente, devem ser extraídas da realidade fática subjacente a cada hipótese concreta levada a julgamento. Qualquer solução estabelecida a priori corre o risco de, na hipótese concreta, não corresponder ao critério da razoabilidade. (...) Convém anotar que a proteção da legítima expectativa, ou proteção da confiança, constitui, ainda, corolário do princípio da boa-fé objetiva nas relações privadas, estabelecendo um vínculo obrigacional ao sujeito que, com seu comportamento, cria em outrem expectativa legítima que é incorporada em sua esfera de direitos. Relembre-se que a boa-fé objetiva, além de funcionar como instrumento hermenêutico e de limitação ao exercício de direitos subjetivos, é fonte de direitos e deveres jurídicos. (...) Nessa esteira, especificamente quanto à questão que ora se analisa, a responsabilidade do estabelecimento comercial deve ser casuisticamente verificada, competindo ao julgador investigar se o conjunto das circunstâncias concretas do estabelecimento e seu estacionamento eram aptas a gerar, no consumidor-médio, razoável expectativa de segurança em relação ao veículo (ressalte-se que, nessa perspectiva, é irrelevante se o ato praticado pelo terceiro se classifica como dano, furto ou roubo). (...) Se esse conjunto de circunstâncias, objetivamente consideradas, indicar que havia razoável expectativa de segurança por parte do consumidor-médio, a responsabilidade do estabelecimento ou instituição estará configurada, assentando-se o nexo de imputação na frustração da confiança a que fora induzido o consumidor. A obrigação de indenizar surgirá para o mantenedor do estacionamento porque não entregou a segurança aparentemente prometida ao cliente e⁄ou usuário.” (REsp 1606360/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 30/10/2017)
Selecionamos sete interessantes decisões sobre responsabilidade civil nas relações de consumo nas quais são abordadas questões como excludentes de responsabilidade, quantificação do dano e legitimidade para responder perante o consumidor. Confira e aproveite para utilizar essas decisões para fundamentar suas peças e recursos!
1. Cirurgia estética que deu errado
Decisão acerca da responsabilidade de médico e de hospital por danos morais, materiais e estéticos suportados por paciente que contraiu infecção hospitalar durante procedimento cirúrgico estético em virtude de falha na esterilização dos instrumentos utilizados. Caso em que a indenização total foi minorada de R$ 500.000,00 para R$ 70.000,00 tendo em vista o reconhecimento de valor exorbitante pelo STJ.
2. Defeito do serviço no momento do parto
Recurso de relatoria da Ministra Nancy Andrighi no bojo do qual se debate a natureza da responsabilidade de hospital por erro médico, se objetiva ou subjetiva. Caso em que se analisa a ocorrência de defeito de serviço prestado por médicos durante parto que ocasionou paralisia cerebral no filho em virtude de complicações. Compensação por danos morais fixada em R$ 200.000,00. Fixação de pensionamento mensal para a mãe do bebê.
3. Empresa de telefonia responde por inscrição indevida
Caso em que se discute a responsabilidade de empresa de telefonia por inscrição indevida do nome do consumidor em cadastros de inadimplentes por suposta dívida não paga no prazo de sete dias. Compensação por danos morais fixada em R$ 15.000,00. Majoração dos honorários advocatícios arbitrados pelo Tribunal em 17% sobre o valor da condenação.
4. Passeio de cavalo que terminou em lamentável tragédia
Lide na qual se debate a responsabilidade civil dos donos de pousada na qual estava hospedada menina que faleceu ao realizar passeio de cavalo em virtude da queda do animal em cima de seu corpo. Menção à ausência de vigilância adequada do equino pelo funcionário do estabelecimento. Análise do argumento de culpa exclusiva da vítima alegado pelo fornecedor. Compensação por danos morais fixado em R$ 40.000,00. Arbitrado também pensionamento mensal.
5. Furto de moto em estacionamento de supermercado
Ação indenizatória ajuizada por consumidor em virtude do furto de motocicleta em estacionamento de supermercado. Caso em que se discutiu a ocorrência de danos morais, cuja compensação acabou fixada em R$ 5.000,00. No curso da ação, o fornecedor alegou a culpa do consumidor, que teria perdido as chaves do veículo.
6.Dano moral em caso de venda casada praticada por banco
Discussão acerca da ocorrência de venda casada em caso de contratação de empréstimo bancário, seguro de vida e título de capitalização. Compensação por danos morais fixada em R$ 8.000,00.
7. Dano moral por ricochete em virtude de erro médico
Analisa-se se tem a Unimed responsabilidade de indenizar esposa e filhos de paciente que ficou permanentemente inválido pelos danos morais reflexos (por ricochete) que alegam ter sofrido em razão de suposto erro médico de preposto da operadora do plano de saúde. Indenização fixada em R$ 80.000,00 em favor da esposa e R$ 50.000,00 em favor de cada filho. Debate sobre as causas de suspeição das testemunhas.
Além da jurisprudência, destacamos também algumas dicas de leitura sobre responsabilidade civil que são úteis para a elaboração de suas peças e recursos. Veja!
DICAS DE LEITURA
Programa Autor: Sérgio Editora: Atlas Ano: 2014 |
| Responsabilidade Civil Autor: Arthur Luis Editora: Atlas Ano: 2011
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| Responsabilidade Civil no Autor: Paulo de Tarso Editora: Saraiva Ano: 2010 |
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